Brasil na Caneca: O Sal da Terra (Por Julio Chuman)

The Salt of the Earth (2014)

"Dava desgosto em ver a que ponto o ódio é contagioso, entende?" 

Sebastião Salgado diz essa frase ao rever as fotos feitas por ele durante a Guerra dos Balcãs, no início da década de 90. Meses depois, cobrindo os genocídios na Ruanda - um massacre comparável ao holocausto nazista, mas que nunca vai entrar para nossos livros didáticos - e o descaso da comunidade internacional para aquela carnificina, ele perde completamente sua fé na humanidade, depois de décadas fotografando a desigualdade social, a fome, a pobreza pelo mundo. Um mundo que, apesar dos saltos tecnológicos e da riqueza produzida, ainda vê parte considerável de sua população morrer de disenteria, cólera e outras doenças causadas por falta de alimento.




Até então, grande parte desse documentário dirigido por Wim Wenders (Asas do Desejo, Buena Vista Social Club) e por Juliano Ribeiro Salgado, filho de Sebastião, é predominantemente preto e branco, como as cores dos trabalhos desse fotógrafo brasileiro conhecido mundialmente. O mundo em seu estado mais maniqueísta, bem e mal, luz e trevas.

Desolado, Sebastião só voltaria a se reencontrar, profissional e espiritualmente, ao, com o incentivo da esposa, começar a replantar a Mata Atlântica que cercava a fazenda onde passou sua infância, projeto que o levaria a criação do Instituto Terra e ao livro Gênesis, uma brusca guinada na carreira de um fotógrafo conhecido pelo seu trabalho social, em livros como Êxodo e Trabalhadores. O filme aqui também encontra sua luz, colorindo as mudanças geográficas que a iniciativa da família Salgado trouxe para um ponto isolado de Minas Gerais.

Uma experiência angustiante, clareadora e, por que não, humana, O Sal da Terra acaba falhando ao não trazer para a tela a discussão que permeia a carreira do fotógrafo brasileiro e que concerne a questão de lucro pela exposição da miséria. Apesar disso, ele nos ajuda a completar o círculo de vida de Salgado, compreendendo a obra e a importância de um dos grandes registradores do século XX, cuja obra fascina e choca, entristece e acalenta.

(Julio Chuman)

P.S. Apesar de não aparecer em livros didáticos, o massacre da população tutsi pela rutu em Ruanda rendeu duas obras que merecem ser conhecidas: o livro Gostaríamos de Informá-lo de que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias, do jornalista norte-americano Philip Gourevitch, e o filme Hotel Ruanda, dirigido por Terry George e estrelado por Don Cheadle, Sophie Okonedo e Nick Nolte.

cris f santana

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